sábado, 17 de dezembro de 2011

Ah! As imagens… Sempre tão poderosas…

Um sorriso de amor marca para sempre quem o recebe. O gesto de carinho fica guardado no corpo e na alma. O interesse e o cuidado repercutem infinitamente na personalidade que os recebe. Somos sustentados pelas imagens, especialmente aquelas geradas pelo amor.  
Na experiência de viver e de amar terminamos sofrendo a dor inevitável da perda e dentre tantas perdas que somos obrigados a suportar a maior delas ainda é a que a morte produz. Mesmo sabendo que somos espíritos imortais, a realidade de que não teremos mais concretamente quem amamos ao nosso lado ou disponível para um diálogo ou um abraço afetuoso, dói muito.
Essa é uma dor sem remédio, cheia de angústia, expectativas e solidão. Mas aí, a misericórdia divina chega até nós através das imagens. Um leque delas surge disponível à consciência. E aquele que se foi desafia o decreto da morte e se revela outra vez. Assim, começamos a percorrer com alegria e saudade, a estrada das lembranças. Podemos rever, novamente, como num filme gravado que retrocedemos, cenas de experiências vividas. E, o que é melhor, sem mais a intervenção do tempo ou do julgamento.
Diante da separação elas se tornam nítidas, cheias de cor e beleza, uma expressão poética criada pelo amor. Não podemos sucumbir a essas imagens com mágoa ou tristeza. Para não lhes tirar o valor artístico e o conteúdo amoroso, precisamos viajar com elas para a terra doce da saudade, vivendo novamente a experiência gratificante de estar ao lado de quem amamos. De cada uma delas podemos recolher as gotas da imortalidade. Podemos reviver e sintetizar a experiência de amar, guardando no coração a doce lembrança de ter comungado tão profundamente com um outro ser, que Deus, por pura compaixão, decidiu-se por participar também dessa união.
Do meu tio Fernando, as imagens que ficaram são as da alegria, o sorriso franco, o desejo de ajudar sempre, a inesgotável fonte de soluções, o amor pelo progresso pessoal, o cuidado. De tantas formas se constrói um ser e de tantas formas um ser se constrói que é inevitável que cada um de nós se torne grandioso no coração do que nos amam. Essa grandeza, é imperturbável e definitiva, eterna como tudo que é construído pelo amor.
Saudades meu tio, sempre sentirei, mas sei que dialogaremos no interior do meu coração  e da minha alma, e, mais ainda, sei que as imagens construídas na nossa relação, permanecerão me sustentando e me fazendo melhor. Sei também que do mundo espiritual será possível a você retocar essas imagens que a minha saudade vai criando, e fazê-las ainda mais belas, para alegria do meu ser.
Neste diálogo sem fim, estaremos unidos recriando nossa relação e dignificando o nosso amor. Receberei de você, a inspiração, minha saudade será o nosso pincel e o amor o grande artista que tomará nossas mãos para a realização da tarefa. Isso, até nos encontrarmos de novo no mundo espiritual.
Com amor, sua sobrinha.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Os estranhos caminhos da vida

Há algo de estranhamente poético na imobilidade... O que poderia ser?
Circunstâncias adversas (ou seriam favoráveis?), quando menos esperava, colocaram-me provisoriamente numa cadeira de rodas, limitando a minha liberdade de ir e vir. Foi como se movimentos compulsivos fossem substituídos por movimentos apenas necessários. Depois de algum tempo comecei a questionar se os tantos movimentos que realizava por dia eram mesmo importantes e, principalmente, se representavam mesmo escolhas que refletiam minha liberdade ou eram apenas automatismos resultantes da prisão que criei para mim ou na qual me deixei enredar.
A limitação dos movimentos parece mostrar uma perda da liberdade, mas é apenas uma alteração na vivência do tempo. Tudo ainda é possível, mas num tempo infinitamente mais lento. Para mim, espírito encarnado no tempo da realidade virtual onde tudo acontece e tem que acontecer agora, em tempo real, como se diz, é extremamente doloroso mudar assim, abruptamente, para a experiência de um tempo em desacordo com o que vivia e em desacordo com a vida social à minha volta.
Agora compreendo a dor da velhice. Não está nas rugas e talvez nem esteja nas limitações. Está na vivência do tempo. Um ser que se move em direção cada vez mais oposta à velocidade da luz e que vive essa experiência numa sociedade onde todos se movem com a intenção de superar a velocidade da luz, única vivência do tempo que é valorizada. É desconfortável tal interação. Fora, muita impaciência, reclamação... Mas, e dentro?
Confesso que estou me apaixonando pela lentidão. Ela tem um quê de cuidado, resguardo, de tratamento carinhoso e caricioso. Há um respeito e solidariedade para com o corpo e para com tudo o que é material. Muito tempo gasto para cada movimento habilita-me a fazer apenas movimentos necessários e a compreender o que realmente é essencial.
Essa lentidão, que não permite fazer tudo, cria espaços vazios que só podem ser preenchidos por sentimentos e sensações, não mais por afazeres e compromissos ou rotinas estafantes. É hora de se deleitar. Sentada em minha cadeira de rodas provisória, eu contemplo o mar e o céu, ambos tão doces e calmos. Na maior parte do tempo estão quietos, silenciosos, oferecendo-se à vida e a todos que queiram contemplá-los. Em alguns momentos dou uma olhada na casa, tão precisada de movimentos constantes, porque um pouco (ou será muito?) bagunçada. Mas, apesar da situação, parece-me tão cheia de espírito, de energia, como se exalasse de volta para mim tudo o que ela de fato é e significa, numa contradição acintosa a tudo que pretendi que ela fosse.
Entre o céu e o mar, entre a casa e os afazeres não feitos, estou eu, assim colocada para, quem sabe, me reconhecer, para empreender o caminho de volta para mim mesma. Extasiada eu observo que o mundo não se acabou. As atividades que desempenhava estão sendo realizadas por outros e muito bem. Enfim, porque eu parei o mundo não parou. Sou livre e aceito esse caminho como necessário. Assustada, às vezes temerosa e ansiosa, mas disponível para a experiência de parar para encontrar-me. Os índios, em geral, consideram que toda doença, seja ela qual for, é resultado da perda de aspectos da alma. A cura está em reencontrar as partes perdidas. Eu estou aqui, pronta para empreender essa jornada fantástica... Afinal, uma perna engessada é suportável, mas uma alma capenga, nem pensar...

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Dois Corações

Na noite fria que se abate sobre o dia
Um coração pulsa solitário, adormecido num corpo paralisado
A pele pálida sugere a neve mais pura
Os cabelos desmanchados derramam-se sobre a terra como folhas verdes e novas
Os olhos fechados cuidadosamente por enormes cílios contemplam serenos a escuridão
O silêncio só é rompido pelo som repetido e profundo do coração
Em volta, a frieza, o vento que corta, o gelo que paralisa.
No interior do corpo, a vida inerte, começando, ecoa à distância, mas só é escutada por um outro coração que bate descompassado, distante dali, num corpo que se mexe e age.
Em mãos, o machado que corta certeiro a madeira dividindo em dois o que era um.
O coração solitário só compreende a unidade.
O coração que age só entende a divisão e parte, de dois em dois, a vida em milhares de pedaços que o coração solitário reúne, sem pressa, um a um, até que tudo fica inteiro novamente.
Perdem-se os dois corações fazendo e refazendo, desmanchando e construindo, até que um dia, a mão do coração que age é paralisada por uma fisgada no peito e o coração solitário abre os olhos.
A noite se vai suave e delicadamente.
O gelo derrete sem pressa.
O corpo que age se vira sobre si mesmo e vê a distância um outro corpo que começa a mexer-se.
O sol banha suavemente o coração solitário e o corpo que o acompanha se ergue e inteiro e pleno, caminha na terra, olhos bem abertos.
De onde está, sem ousar dar um único passo, o coração que age abre os braços e espera, porque não há nada mais a fazer.
O corpo do coração solitário se aproxima, cabelos soltos, balançando ao vento e se aninha nos braços do coração que age.
Dia e noite se misturam, calor e frio se encontram. Dos dois corpos, uma lágrima desloca-se dos olhos abertos e cai sobre os corações.
O coração solitário percebe o descompasso do coração que age.
O coração que age percebe o ritmo tranqüilo do coração solitário.
E ambos se misturam como as folhas retiradas das árvores e do chão são misturadas pelo vento.
Abraçados, caminham em direção ao nascente e a vida passa a ouvir apenas um coração que bate forte e compassadamente.
Desde esse dia, jamais se ouviu falar de uma noite sem dia, nem de um dia sem noite.
Jamais voltou a chover sem que ao final da chuva, os raios de sol fizessem brilhar as gotas de orvalho.

sábado, 3 de dezembro de 2011

A Lágrima

A lágrima desceu delicadamente pela face. Não era uma lágrima qualquer.  Era a água abençoada que se derrama apenas de olhos que compreendem a miséria humana, a dor e o desespero.
Ao fazer seu caminho pelo rosto, a lágrima disse assim:
“Abre os olhos Tirésias, e contempla o céu maravilhosamente azul que revela nas noites o brilho das estrelas e é tão belo quanto o orvalho que veste flores e folhas no amanhecer.
Desperta Tirésias e ouve as ondas do mar que quebram na praia ou na imensidade do oceano e produzem tão linda música que acalma os corações.
Abre os olhos Tirésias. Porque a vida também é feita de luz e a luz pode ser calma e cariciosa, aquecendo corpos e almas.
Desperta Tirésias. Porque a escuridão é apenas a outra face da luz e será triste que te embrenhes tanto na escuridão sem a lembrança da luz que alimenta a vida.
Acorda Tirésias. Porque nenhum humano deve demorar-se tanto nas trevas do inferno onde se alimentam as sementes, para que toda lavoura não se perca na resistência e no desvario.
Abre os olhos Tirésias e deixa que a vida te tome e toma a vida em teu coração, em tua alma e em teu corpo. Porque desde que a vida se fez, é assim que ela se faz a cada dia. 
Depois de germinada a semente somente a luz a transformará em flores ou frutos.
Desperta Tirésias. Que tua decisão insana de permanecer dormindo ultraja todas as formas de vida. Sonhos e projetos estacam diante de tua imobilidade. Teu sono estimula outras vidas a adormecer.
Acreditas, serás responsabilizado mais adiante no interior da tua própria consciência.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

A Esperança que a Alma Traz

Há momentos em que a alma pede espaço. Não se trata de virar um ET caminhando pela Terra. É apenas a necessidade de expressar algo que transcenda o cotidiano, os afazeres repetitivos, que nos permita estar inteiros na nossa vida. Algo que espiritualize a matéria, ofereça significado e sentido a nossas ações e represente com maior clareza tudo o que somos.
Os padrões normais de identidade estão relacionados apenas à experiência do ego. Sabemos o nosso nome, idade, profissão, endereço, classe social a que pertencemos, papéis que representamos, religião. Dificilmente isso basta. Nesse amontoado de representações da realidade que somos fica faltando a dimensão que nos sintetiza e nos torna um e único.
Quando damos passagem à alma, ela se materializa e vemos o lado nosso que não fazemos contato no  dia a dia. Esse lado é que nos traz a certeza de quem somos e porque estamos aqui, agora. A alma alinha todas as nossas dimensões que andam dispersas, soltas, sem conexão.
O meu passado, o meu presente e o meu futuro se tornam a realidade que sou agora, não o amanhã que planejo, não a experiência que vivi ontem.
A alma é poesia, encantamento, deleite.  Sem sua presença a vida é insípida e sem esperança. A alma é a conexão possível na vida material com amor que nosso Espírito herdou de Deus.
Façamos alma a cada segundo dos nossos dias. Criemos o espaço por onde ela possa chegar, tomar assento ao nosso lado e respirar conosco as inusitadas  possibilidades que a experiência de estarmos vivo nos oferece.