Há algo de estranhamente poético na imobilidade... O que poderia ser?
Circunstâncias adversas (ou seriam favoráveis?), quando menos esperava, colocaram-me provisoriamente numa cadeira de rodas, limitando a minha liberdade de ir e vir. Foi como se movimentos compulsivos fossem substituídos por movimentos apenas necessários. Depois de algum tempo comecei a questionar se os tantos movimentos que realizava por dia eram mesmo importantes e, principalmente, se representavam mesmo escolhas que refletiam minha liberdade ou eram apenas automatismos resultantes da prisão que criei para mim ou na qual me deixei enredar.
A limitação dos movimentos parece mostrar uma perda da liberdade, mas é apenas uma alteração na vivência do tempo. Tudo ainda é possível, mas num tempo infinitamente mais lento. Para mim, espírito encarnado no tempo da realidade virtual onde tudo acontece e tem que acontecer agora, em tempo real, como se diz, é extremamente doloroso mudar assim, abruptamente, para a experiência de um tempo em desacordo com o que vivia e em desacordo com a vida social à minha volta.
Agora compreendo a dor da velhice. Não está nas rugas e talvez nem esteja nas limitações. Está na vivência do tempo. Um ser que se move em direção cada vez mais oposta à velocidade da luz e que vive essa experiência numa sociedade onde todos se movem com a intenção de superar a velocidade da luz, única vivência do tempo que é valorizada. É desconfortável tal interação. Fora, muita impaciência, reclamação... Mas, e dentro?
Confesso que estou me apaixonando pela lentidão. Ela tem um quê de cuidado, resguardo, de tratamento carinhoso e caricioso. Há um respeito e solidariedade para com o corpo e para com tudo o que é material. Muito tempo gasto para cada movimento habilita-me a fazer apenas movimentos necessários e a compreender o que realmente é essencial.
Essa lentidão, que não permite fazer tudo, cria espaços vazios que só podem ser preenchidos por sentimentos e sensações, não mais por afazeres e compromissos ou rotinas estafantes. É hora de se deleitar. Sentada em minha cadeira de rodas provisória, eu contemplo o mar e o céu, ambos tão doces e calmos. Na maior parte do tempo estão quietos, silenciosos, oferecendo-se à vida e a todos que queiram contemplá-los. Em alguns momentos dou uma olhada na casa, tão precisada de movimentos constantes, porque um pouco (ou será muito?) bagunçada. Mas, apesar da situação, parece-me tão cheia de espírito, de energia, como se exalasse de volta para mim tudo o que ela de fato é e significa, numa contradição acintosa a tudo que pretendi que ela fosse.
Entre o céu e o mar, entre a casa e os afazeres não feitos, estou eu, assim colocada para, quem sabe, me reconhecer, para empreender o caminho de volta para mim mesma. Extasiada eu observo que o mundo não se acabou. As atividades que desempenhava estão sendo realizadas por outros e muito bem. Enfim, porque eu parei o mundo não parou. Sou livre e aceito esse caminho como necessário. Assustada, às vezes temerosa e ansiosa, mas disponível para a experiência de parar para encontrar-me. Os índios, em geral, consideram que toda doença, seja ela qual for, é resultado da perda de aspectos da alma. A cura está em reencontrar as partes perdidas. Eu estou aqui, pronta para empreender essa jornada fantástica... Afinal, uma perna engessada é suportável, mas uma alma capenga, nem pensar...
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