Na noite fria que se abate sobre o dia
Um coração pulsa solitário, adormecido num corpo paralisado
A pele pálida sugere a neve mais pura
Os cabelos desmanchados derramam-se sobre a terra como folhas verdes e novas
Os olhos fechados cuidadosamente por enormes cílios contemplam serenos a escuridão
O silêncio só é rompido pelo som repetido e profundo do coração
Em volta, a frieza, o vento que corta, o gelo que paralisa.
No interior do corpo, a vida inerte, começando, ecoa à distância, mas só é escutada por um outro coração que bate descompassado, distante dali, num corpo que se mexe e age.
Em mãos, o machado que corta certeiro a madeira dividindo em dois o que era um.
O coração solitário só compreende a unidade.
O coração que age só entende a divisão e parte, de dois em dois, a vida em milhares de pedaços que o coração solitário reúne, sem pressa, um a um, até que tudo fica inteiro novamente.
Perdem-se os dois corações fazendo e refazendo, desmanchando e construindo, até que um dia, a mão do coração que age é paralisada por uma fisgada no peito e o coração solitário abre os olhos.
A noite se vai suave e delicadamente.
O gelo derrete sem pressa.
O corpo que age se vira sobre si mesmo e vê a distância um outro corpo que começa a mexer-se.
O sol banha suavemente o coração solitário e o corpo que o acompanha se ergue e inteiro e pleno, caminha na terra, olhos bem abertos.
De onde está, sem ousar dar um único passo, o coração que age abre os braços e espera, porque não há nada mais a fazer.
O corpo do coração solitário se aproxima, cabelos soltos, balançando ao vento e se aninha nos braços do coração que age.
Dia e noite se misturam, calor e frio se encontram. Dos dois corpos, uma lágrima desloca-se dos olhos abertos e cai sobre os corações.
O coração solitário percebe o descompasso do coração que age.
O coração que age percebe o ritmo tranqüilo do coração solitário.
E ambos se misturam como as folhas retiradas das árvores e do chão são misturadas pelo vento.
Abraçados, caminham em direção ao nascente e a vida passa a ouvir apenas um coração que bate forte e compassadamente.
Desde esse dia, jamais se ouviu falar de uma noite sem dia, nem de um dia sem noite.
Jamais voltou a chover sem que ao final da chuva, os raios de sol fizessem brilhar as gotas de orvalho.
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